segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Agora quem conta a história é você!

Até onde pode ser interessante seguir um script? Qual exatamente deve ser o nível de liberdade conferida ao jogador para desbancar um império maligno, salvar o planeta Terra ou simplesmente casar e ter filhos? Ou ainda: você, como jogador, prefere ter sua criatividade constantemente estimulada, ou talvez o melhor mesmo seja reclinar a poltrona da sala e acompanhar uma boa história?

Não é difícil imaginar essas perguntas constantemente rodopiando entre as sessões de “brainstorm” das mais rentáveis softhouses da atualidade. Com o adventos dos alcunhados jogos de mundo aberto — segmento que proeminentemente leva a marca do pioneiro Grand Theft Auto —, a atual indústria de games permanece, como se diz, entre a cruz e a espada.

De um lado, permanece a velha escola, perita em contar histórias dramáticas e cheias de altos e baixos. Do outro, um povo que acredita que delegar ao jogador a responsabilidade de criar o seu próprio divertimento, à sua maneira, deve ser a resposta para que os games não acabem se tornando algo anacrônico.

Em outras palavras: em vez de arremessar o jogador dentro de uma história pronta, seguindo um caminho que mais parece uma montanha russa — cheia de altos e baixos, mas com direção absolutamente previsível —, há quem acredite que, sim, o jogador seja plenamente capaz de moldar a sua própria aventura. Seja explorando as possibilidades de um mundo aberto, experimentando os limites de um jogo, ou ainda ditando os próprios objetivos.

Entre aqueles que creem ser exatamente esse o futuro dos games aparece o nome de Todd Haward, diretor de jogos da Bethesda (Fallout 3). Para Haward, a liberdade de ação deve ser o ponto central. “Eles [os jogadores] se sentem mais como o personagem com o qual estão jogando”, ele afirma. “Eles estão fazendo o que eles querem fazer, e não o que você, o designer, quer que eles façam”. E o diretor conclui então que “quanto mais aberto, quanto mais reativo você puder fazê-lo [o mundo de jogo], melhor será a experiência dos jogadores”.


E esse padrão pode, é claro, se estender por qualquer temática. Seja você o clássico protagonista estilo “lobo solitário”, acompanhado pelo seu cachorro em incursões por uma terra devastada (Fallout 3), um pai de família tentando conciliar emprego com diversão e viagens (The Sims 3) ou ainda o membro de uma guilda controlada por sujeitos de carne e osso. Afinal, existem várias formas de se conferir liberdade de ação a um jogador.
Mundo aberto, história (quase) aberta
Quando os scripts começam a sair de moda

Uma das formas mais recorrentes de se oferecer liberdade a um jogador é oferecer um belo mundo de jogo aberto para que ele perambule e, eventualmente, acabe dando sequência a uma história mais ou menos definida. Quer dizer: a história ainda existe, mas você pode desenvolvê-la da forma que der na telha.

Em outras palavras, passa a não fazer mais tanto sentido falar em “um jeito certo de jogar”. Não porque agora você pode encarnar um mafioso sociopata — que não mede esforços para escalar os estratos do crime organizado —, mas simplesmente porque a história passa a ser construída com muito mais liberdade. Basta pensar nas missões de GTA (sobretudo à partir de GTA III), que quase sempre admitem mais de uma possibilidade de execução.

GTA III: o mundo de possibilidades em 3D da Rockstar

“Até aquele momento, com apenas algumas poucas exceções, o mundo dos jogos era passivo, ou simplesmente oferecia interações mínimas com o jogador, como carregar pedras, levantar espinhos ou — se você fosse muito sortudo — escalar cordas”, conforme disse há algum tempo Brian Baglow, CEO da Indoctrimat PR, que trabalhou com a DMA Design — que mais tarde se tornaria a Rockstar.

E ele ainda conclui que “GTA virou isso de ponta-cabeça, transformando o jogador em apenas mais um personagem, em um imenso mundo, apenas correndo atrás dos seus negócios”. Mas não foi exatamente aí que essa moda começou, é claro.

Os primórdios do mundo aberto

Embora Grand Theft Auto seja prontamente associado ao gênero de mundo aberto, não foi exatamente aí que o gênero teve o seu início — embora a série seja responsável pela popularização e consolidação do estilo. A primeira abordagem de um mundo de jogo aberto na realidade data de 1984. Trata-se de Elite, BBC Micro.

Elite era uma típica abordagem futurista dos anos 80. Mas a sua normalidade ficava por aí. O título trazia um surpreendente (e verossímil) universo aberto trazendo planetas, sistemas políticos, economias, rotas de comércio e estações espaciais; tudo espalhado através de um imenso cosmo; tudo ao alcance da ação e criatividade dos jogadores.


Além disso, era possível até mesmo escolher a natureza do personagem que iria representá-lo através do universo quadriculado do título. Um caçador de recompensas? Um mineiro? Um mercador? Ou, quem sabe, um pirata espacial? Enfim, um considerável salto para uma época em que tudo se resumia — em termos de jogos espaciais — a escolher por onde a sua nave deveria ir, e quando disparar os lasers.

Pouco tempo depois do lançamento de Elite, outro pioneiro apostaria as suas fichas na ideia de dar mais liberdade aos jogadores. Mike Singleton, já bastante notório por criar The Lords of Midnight no ZX Spectrum, traz a luz o seminal Midwinter, em 1989. Além de ser um dos primeiros títulos a investir na temática pós-apocalíptica, o jogo trazia diversas novidades. Entre elas, 30 veículos disponíveis, a introdução dos rifles de precisão e — a parte mais revolucionária — era completamente não-linear.

Você, o jogador, deveria localizar, recrutar e controlar qualquer um dos sobreviventes da terrível guerra que devastou o planeta. Considerando-se que estes remanescentes estavam espalhados por uma superfície de mais de 160 milhas quadradas, é fácil entender o conceito de liberdade do jogo.


Trama vs. liberdade de ação
A falta de um andamento linear pode afetar o desenvolvimento da história?

O que vai ser: liberdade ou história?Embora a liberdade de ação seja atualmente a menina dos olhos da indústria de games, há quem veja a tendência ainda com um pé atrás. Segundo muitos desenvolvedores, a liberdade de ação dentro de um título cresce na mesma proporção em que diminui a intensidade da história que é contada. Em outras palavras, ganha-se interatividade com o sacrifício da trama.

Poderia existir então uma situação de equilíbrio entre extremos como God of War (história dramática e linear) e Noby Noby Boy (total liberdade de ação e absolutamente nenhuma história)? Aparentemente sim. Pelo menos é isso que pensa Ed del Castillo, responsável por Rise of The Argonauts.

Em entrevista ao site Computerandvideogames.com, o desenvolvedor afirma que, se por um lado algumas vezes os desenvolvedores, arrogantemente, acreditem que são melhores que os jogadores para contar histórias, também no extremo oposto pode-se “criar um jogo ‘sandbox’, que não ajuda muito a criar um drama interessante dentro da experiência”. A solução estaria então, segundo Castilo, “em algum lugar entre esses dois pontos”.

Enretanto, Castilo reconhece a necessidade atual de se conferir mais liberdade aos jogadores. “Eles [os jogadores] não querem ser conduzidos em um trilho, por que eles podem ter isso nos cinemas. Se nós continuarmos a insistir que eles joguem do nosso jeito, nós continuaremos a perdê-los”.

Um condição necessária: Inteligência artificial

Mas quais seriam os principais desafios ao se tentar criar um mundo aberto para as decisões dos jogadores? Segundo Paul R. Statham, da Bohemia Interactive (Operation Flashpoint), parte considerável do desafio aparece quando se tenta criar um mundo realmente orgânico e cheio de possibilidades. E, no centro, disso, a nossa boa e velha I.A. (inteligência artificial).

Embora títulos recentes como GTA IV e Assassin?s Creed 2 mostrem um ótimo trabalho ao criar ambientes quase vivos, a I.A. permanece como uma pedra nos sapatos de muitos desenvolvedores. “A indústria está faminta por talentos — nós realmente precisamos de grandes programadores e de pessoas multidimensionais, já que, a fim de se ter uma grande I.A., você precisa de uma pessoa capaz de criar um sistema que simule a vida”, afirma Statham.


E como deveria ser essa pessoa? O executivo explica: “essa pessoa precisa ser alguém introspectivo, filosófico, e um observador de pessoas — trabalhando para emular características de pessoas reais”. Enfim, se você faz o tipo “caladão” e observador, as linhas de frente das desenvolvedoras talvez precisem de você...

Jogabilidade emergente
“Faz o que tu queres, há de ser o todo da lei”

Tudo bem, então os jogos estão mais amplos, contendo quase infinitas possibilidades de interação entre missões extras, histórias amplas e um enorme mundo dejogo. Mas, estritamente falando, para a maioria desses casos, a sua criatividade ainda deve trabalhar dentro de limites mais ou menos previstos pelos desenvolvedores. Mas será que é sempre assim?

Não mesmo. Basta observar os jogos que trazem a recentemente batizada “jogabilidade emergente”. Trata-se de títulos em que a sua liberdade fica tão completamente livre para criar, que nem mesmo os desenvolvedores do título podem imaginar todos os desdobramentos possíveis dentro do universo de jogo. Trata-se de um passo além dentro da ideia de liberdade de ação.


Um bom exemplo desse conceito é Scribblenauts, título para DS da 5th Cell. A ideia é relativamente simples: o problema se mostra, e você vai precisar de algum item para resolvê-lo. Entretanto, esse item pode ser qualquer coisa dentro do imenso acervo do título. Basta escrever, e mesmo coisas como “Deus” ou “Chuck Norris” vão aparecer na tela para auxiliá-lo das formas mais inusitadas.

Cabe também nessa definição o bom e velho The Sims. É só pensar: quem realmente conta a história aqui? Não são fases extras, não são finais múltiplos; você simplesmente dita todo o andamento do jogo. Por fim, há também quem coloque sob este rótulo jogos que adéquam a sua dificuldade com base no estilo de cada jogador, como Left 4 Dead e Silent Hill Shattered Memories.

Interatividade e liberdade

Enfim, se excentricidades recentes como Project Natal (Xbox 360) e Wand (a “varinha mágica” do PS3) prenunciam um futuro com novas possibilidades interativas, provavelmente não seria exagero pensar que toda essa interatividade deve acompanhar também o crescimento e evolução do papel do próprio jogador como “contador de histórias”. O fim da hegemonia autoral por parte das desenvolvedoras? Quem sabe...

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