sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Especial: Realismo nos games, um conceito simples? Nem um pouco...

Como você já pode ter desprendido do título, me pediram para fazer um artigo sobre a quantidade de realismo que é necessária nos video games. Isto porque, volta e meia, aparece alguém falando que deve existir uma quantidade maior de precisão na representação de elementos de nossa vida no entretenimento eletrônico. Desta vez, o que reacendeu o debate aqui em nossa redação foi um texto encontrado na internet que dizia que a violência deveria ser retratada de maneira mais real nos games.
Mas eu não acho que seria tão interessante simplesmente discorrer sobre a validade ou não de representações mais críveis de ação em jogos eletrônicos. Afinal de contas, sempre acreditei se tratar de uma decisão de design — Mario nunca foi nem um pouco realista, no sentido estrito do termo, mas nem por isso deixa de ser divertido; assim como alguns gêneros se prestam muito mais ao realismo do que outros. Quem gostaria de ficar permanentemente aleijado após levar um tiro em Modern Warfare 2?

Logo, quero levar a discussão para um outro lado, mais sutil, e espero que você acompanhe meu raciocínio. Enquanto não falamos mais sobre game design — coisa que muitos de vocês, leitores do Nosso Blog, gostariam que fosse mais explorada, como ficou claro no artigo sobre o início da criação de um jogo (e que está vindo, aguardem!) — podemos tentar vislumbrar alguns elementos que compõem este conceito.

O que é realismo nos jogos? Pode parecer a mesma coisa, mas as respostas para cada uma das perguntas são diferentes. Se perguntarmos quão realista um FPS deve ser, estamos falando de limites a serem estabelecidos com relação a um conflito armado real. Se perguntarmos o que é realismo em um FPS, a coisa muda completamente. Vejamos o porque disso primeiro, para em seguida responder a uma segunda pergunta que é mais condizente com o tema que me foi passado inicialmente: o realismo é necessário em um título?


“Realismo”
As aspas fazem toda a diferença


Podemos chamar Modern Warfare 2 de realista?Como avaliar o quão realista é um determinado título? Simplesmente através da engine e dos elementos de física? Devemos considerar as reações dos personagens? Os diálogos? Afinal de contas, sabemos que é impossível, atualmente, criar um video game que seja uma réplica perfeita de uma situação da vida real. Vamos a alguns exemplos para ilustrar o que quero dizer:

Os jogos de tiro atuais, tanto em primeira quanto em terceira pessoa. A tendência contemporânea é de que não existam “pontos de vida”, sendo que a vida do personagem se regenera conforme ele fica fora de combate. Ou então os jogos de estratégia, nos quais as construções são realizadas em tempo extremamente rápido, assim como o treinamento de unidades.

Mesmo assim, frequentemente nos encontramos exclamando, ao encontrar determinado elemento de um jogo que nos pareça fora de lugar: “isto é um absurdo!”. E personagens que levam mais de 10 tiros e sequer param de andar não é absurdo? Faça-me o favor... Inspirando-nos em Einstein, tudo é relativo. Por isso as aspas na palavra realismo de nosso título.


Relativo
Mas em que sentido?


Permita-me fazer um pequeno desvio do tema principal de nosso artigo para falar sobre algumas experiências pessoais com outras formas de mídia que inspiraram fortemente este texto — prometo que não me demorarei, servindo apenas como pano de fundo para que você entenda o que quero dizer de forma mais completa.

  • Suspensão de descrença

Não gosto do nome em português, e nem mesmo sei se é algo largamente reconhecido — mas pelo que consegui encontrar na internet esta é a forma mais usada — do conceito chamado em inglês de “suspension of disbelief”. Muitos de vocês já devem ter ouvido falar dele, já que consiste da base de grande parte dos trabalhos de ficção modernos.

Se trata basicamente de uma temporária ausência de julgamento por parte do leitor — ou no caso de outros meios, como o eletrônico interativo, do jogador — com relação aos elementos que compõem uma determinada narrativa. Isto significa que ele se insere no contexto da história e consegue assumir como “reais” (repare nas aspas) alguns elementos que são obviamente fantásticos.

Dragon Age insere o jogador em um mundo completamente diferente, mas coerente

Esta é a razão pela qual conseguimos aproveitar de forma tão empolgante trabalhos que introduzem criaturas que surgiram da imaginação de seus criadores, como elfos, anões, zumbis, alienígenas... Todas elas são completamente irreais, mas para efeitos do jogo, conseguimos admitir um cenário hipotético em que elas possam existir, para em seguida poder construir uma história com consequências.

Se este não fosse o caso, imagine como seria na hora de jogar:

— “Meu Deus, eu levei 2 tiros e continuo correndo? Que jogo horroroso, vou é jogar bola.”
— “Mas que bicho é esse com orelhas pontudas? Parece um anêmico deformado, que coisa ridícula.”
— “Eu atirei em um barril de lixo e ele explodiu? Tenha dó, alguém jogou nitroglicerina junto com os cotonetes?”

Bastante deprimente, não? Pois é, para isso que serve essa imersão virtual que fazemos nos universos que presenciamos. Para podermos apreciá-los muito mais, levando em consideração apenas os elementos que constroem a narrativa e avançam a trama.

Outra razão importante para que exista esta ausência de julgamento é para que possamos embutir elementos realistas em um cenário fantástico. Um bom exemplo é o trabalho de J.R.R. Tolkien, com o universo de O Senhor dos Anéis. Nele, existem criaturas fantásticas e toda uma mitologia, mas a magia não ocorre como em outros trabalhos de fantasia. Não se vê, por exemplo, pessoas soltando bolas de fogo pelas mãos a torto e a direito.

World of Warcraft possui limites, embora os personagens soltem raios pelas mãos


Espera-se, portanto, que cada trabalho fantástico (no sentido literal da palavra) seja um conjunto coerente, que estabelece limites e que trabalha dentro de seu espectro. Assim, não queremos que uma pessoa possa fazer o que deseja dentro de um determinado jogo — ao estilo Presto, de Caverna do Dragão, em que pode tirar qualquer coisa do chapéu. Afinal de contas, isso poderia arruinar completamente a experiência. Mas voltemos ao assunto principal.

  • Relativismo ou relatividade? Não importa

O que quero dizer é que realismo em um jogo é relativo. Dentro de um cenário de fantasia medieval, em que existam feiticeiros e magos, é plausível que eles possam controlar os elementos e lançar raios e bolas de fogo pelas mãos. No entanto, se alguém fizesse isso em Modern Warfare 2 a coisa toda ia ser simplesmente ridícula e desprezível. Da mesma maneira, armas laser em um jogo de ficção científica podem ser normais, mas em um cenário renascentista iriam arruinar a temática.

Tendo sempre em mente a pergunta inicial que fiz — “O que é realismo nos jogos?” — podemos dizer que se trata de recriar com um máximo de fidelidade os elementos que compõem a nossa realidade dentro dos limites estabelecidos por um determinado cenário. Parece complicado? Como sempre, um exemplo ajuda muito:

Voltar no tempo não está fora da realidade de BraidImagine que criei um título de tiro em primeira pessoa ambientado na Renascença, mas em um universo no qual a magia realmente existe. O que se espera do realismo deste jogo? Basicamente, que reproduza a física terrestre, a cultura da época e tudo mais, só que as caçadas a bruxas possuem um aspecto completamente novo. Ou seja, dentro dos limites impostos pelo design do jogo, tudo é feito para tornar a experiência a mais crível possível, de forma que o usuário possa se identificar profundamente com ela.

Quando isto é bem-feito, os resultados são fenomenais. Os trabalhos de Tolkien fazem tanto sucesso até hoje pois ele criou não somente uma trama específica, mas todo um universo com línguas, mitologia e até mesmo história próprias. O mesmo pode ser dito de várias outras marcas, como Star Wars ou Harry Potter. Aquela sensação de “bem que isto poderia ser verdade” ou “eu poderia acreditar nisso” é essencial para sabermos que existe este “realismo relativo”.


Necessidade
É preciso que o realismo esteja presente?


A resposta curta é: não. A resposta longa é um pouco mais complexa. Correndo o risco de me aventurar em áreas que não conheço bem, podemos fazer uma analogia à pintura, por exemplo. Geralmente, os trabalhos mais apreciados retratam algo de forma realista, de forma a podermos identificar imediatamente do que se trata. No entanto, existem obras que não o fazem e ainda assim são mundialmente famosas e reconhecidas como excelentes. Um bom exemplo é o estilo cubista, representado por Pablo Picasso.

Guernica, de Picasso, transmite uma ideia para os que a entendem

Como não conheço a fundo tal assunto, volto aos games. Algo parecido pode ser visualizado neles, já que existem projetos que são completamente abstratos e levam tempo para serem compreendidos. Principalmente aqueles sem história, como por exemplo Pong, pedem que o jogador preste maior atenção às mecânicas de jogo e à diversão do que à razão para aquela bolinha estar sendo jogada de um lado por outro por plataformas móveis.


Mas...
De onde surgiu tudo isso?


A esta altura, é possível que você esteja confuso ou não tenha entendido completamente o que quis dizer. Natural, já que mesmo quando eu estava escrevendo o texto tive que reler para poder colocar as ideias em ordem, já que tive que resumir um assunto sobre o qual poderia discorrer por horas a fio, e que envolve muito mais do que apenas video games — a literatura é uma fonte rica para a discussão.

Assim sendo, convido você a ler novamente caso não tenha entendido plenamente o assunto, pois realmente é um pouco denso — mas extremamente interessante uma vez que é compreendido. Mesmo sendo muito difícil para nossos pais entenderem, jogos de video games são criados depois de muito gasto de massa cinzenta, e englobam muito mais do que simplesmente botões e uma tela.

Também é preciso dizer que toda esta opinião é bastante pessoal e bem controversa, já que muitos consideram realismo como algo direto e simples, sem nuances. Não é o meu caso. Logo, este artigo é muito mais um convite à reflexão sobre um dos elementos que compõem um título eletrônico do que qualquer outra coisa. E, como sempre, se os leitores do Nosso Blog se interessarem, quem sabe não podemos expandir a discussão...

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